sábado, 13 de março de 2010



Zé Luís

Muitas vezes, as coisas não saem do jeito que desejamos que fosse.

O tempo passa, e descobrimos que as pessoas não são bem aquele belo retrato inicial, aquele sorriso feliz, aquele abraço emocionado. Começando por mim...

Vejo-me e já não sou o exemplo moral que pensei que fosse. Já não sou a resposta dos problemas de meu gueto.

O tal velho Adão que imaginei ter dominado está todo de fora, e em algum lugar do cômodo, tenho a certeza que uma gargalhada abafada ri de minha angustia, como se vingasse de minhas antigas vanglórias contra o inferno.

Os amigos se foram, e parece que toda esta solidão sempre esteve com seus braços frios abertos, esperando para seu abraço no dia de minha derradeira derrota.

Repenso minhas tristezas e busco imagens de minhas vitórias que mofam na estante de minha fraca memória. Inevitável não perguntar:

- Vale a pena? - penso eu, em meio a indiferença em qualquer assunto. Toda a luta altruísta, toda as intenções e conquistas... Para quê?

Daí, lembro de que não sou pioneiro nesta cansativa labuta, nesta caótica sucessão de coisas sem sentido.

Imagino a poeirenta e pedregosa ladeira que é riscada por um tronco, melado de suor e sangue do ofegante condenado. Inocente, entre gemidos e lágrimas, com as carnes das costas expostas pelo chicote, ainda enfrentará seis horas desta sexta-feira agonizando nu, entre cravos enferrujados, ridicularizações e muitas dores.

Sozinho, abandonado, traído, escarnecido, insiste em ir até o fim e cumprir seu estranho plano: morrer em lugar daquele que quer viver.

Não há explicações válidas.

Não há ninguém digno que valha tamanho sacrifício.

Sorrio então.

Sou um dos inválidos que aceita esta morte.

Não é por que valho algo que ele se sacrifica. É por que Ele vale.

Aquela gargalhada parece ser engolida, e vejo, pelo canto do olho, o vulto nojento bater em retirada, rabo entre as pernas, ouvindo agora a minha gargalhada.

O telefone toca, alguém pede ajuda.

É alguém que não sabe o que fazer, também esqueceu da cruz, como eu.

Tenho o que dizer e fico feliz por isso.

E mais um dia se põe, e sinto as mãos Dele me acalentarem.

E durmo, como dormem os justos, mesmo sabendo que não sou digno de seu sacrifício, mas tendo um Deus incompreensivelmente amoroso.


quem nunka se sentiu assim que atire a primeira pedra...